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O fim do Magic: the Gathering em português e o mercado brasileiro de card games

por Thiago Marques
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A Wizards of the Coast anunciou o fim das versões em português do card game Magic: the Gathering, bem como do RPG Dungeons & Dragons, provocando reações acaloradas por parte dos jogadores brasileiros. Entre conclamações a boicote, apologia à pirataria e “vampetaços” nos perfis oficiais da empresa, as redes sociais tornaram-se plataformas para o descontentamento da comunidade brasileira, que já vinha sentindo-se cada vez mais abandonada.


Há 29 anos, Magic: the Gathering passou a ser publicado em português, com a sua 4ª Edição, apenas dois anos após o lançamento oficial do card game. Desde então, o jogo que já vinha conquistando uma legião de adeptos em solo brasileiro presenciou um aumento crescente da comunidade de jogadores. Agora, alegando a falta de rentabilidade relativa da comercialização do produto traduzido, além de uma alegada preferência dos jogadores brasileiros por cartas em inglês (algo verdadeiro em muitos casos, mas não todos), o país deixará de ser prestigiado por uma versão no idioma pátrio do popular TCG.

Sem sombra de dúvidas, a disponibilidade do jogo em português serviu como porta de entrada para um número muito maior de pessoas no hobby. Isso se reflete no fato de que os card games mais populares no Brasil (Magic: the Gathering, Pokémon e Yu-Gi-Oh!) possuem versões traduzidas.

Para muitos, como eu, o Magic: the Gathering foi muito mais que um instrumento de diversão, socialização e competição, mas também um verdadeiro professor de inglês. Ao ter contato com as cartas em língua portuguesa enquanto era bem novo, aprender e decorar os textos e funcionalidade de cada uma delas e, então, jogar com as suas versões em inglês, pude facilmente aprender o básico sobre as estruturas frasais do idioma, bem como absorver rapidamente o vocabulário da língua inglesa.

Considerando que o Magic cresceu muito em complexidade ao longo dos anos e que muitas das cartas mais recentes possuem textos extensos, a ausência de traduções do jogo torna-se limitante especialmente para jogadores mais jovens, com maior probabilidade de não possuírem domínio da língua inglesa. Isso é especialmente frustrante para pais que jogam há décadas e que gostariam de despertar o interesse pelo Magic: the Gathering em seus filhos pequenos, de forma a desfrutar da diversão em família.

Uma tragédia anunciada

Para muitos, o fim do Magic: the Gathering em português estava “escrito na parede”. Há pouco mais de um ano, a Wizards anunciou o desligamento da equipe brasileira e latino-americana de marketing.

Tal fato não pode ser tomado como único precedente. Não é segredo algum que o Brasil nunca foi nenhuma grande prioridade para a Wizards of the Coast, especialmente quando o assunto é a realização de grandes eventos competitivos, mesmo com o país tendo alguns dos melhores jogadores de toda a história do Magic.

O português não foi a única língua abandonada desta feita. O chinês simplificado também não terá mais uma versão impressa do TCG. No caso do Magic Arena, por enquanto ainda contaremos com a versão digital do jogo, sorte essa que não tiveram os jogadores russos.

As alternativas ao Magic: the Gathering

Além dos já citados Pokémon e Yu-Gi-Oh!, os jogadores brasileiros abraçaram outros card games colecionáveis como Flesh and Blood, Vampire: The Eternal Struggle (VTES), One Piece, Dragon Ball, Digimon, além de living card games da Fantasy Flight Games, como Arkham Horror e O Senhor dos Anéis. A lista provavelmente se tornará maior em breve com a chegada de Star Wars Unlimited e Lorcana.

Grande parte dos jogos citados acima não possuem versões em português, o que certamente limita o crescimento natural de suas comunidades, por melhor que seja a qualidade deles. Entretanto, o fato de que eles nunca tiveram versões localizadas em nosso idioma torna a situação menos desagradável, pois não há o sentimento de que “algo foi tirado de nós”.

O fim do Magic: the Gathering em português e o mercado brasileiro de card games

Os card games brasileiros

Embora estejam muito longe da popularidade dos card games mais famosos, o Brasil também possui seus jogos de cartas colecionáveis, expandíveis e afins que possuem o potencial para esquentar as mesas dos jogadores e reunir grandes comunidades nas lojas do gênero. Seven Galaxies, Lendas e Batalhas, Effect: Conflicting Causes, além do falecido Battle Scenes, são os mais conhecidos.

Ao passo em que o RPG nacional conseguiu há muito tempo quebrar a resistência do brasileiro em apoiar o produto nacional, o mesmo não ocorreu com os jogos de cartas. Como razões para que isso não tenha acontecido, podemos citar a ausência de cenários competitivos e o ritmo vagaroso do lançamento de expansões. No entanto, nenhum dos dois motivos explica totalmente o fato de que os títulos nacionais sequer estejam “na boca do povo”.

Naturalmente, não podemos exigir que a comunidade brasileira adote os card games nacionais apenas pelo motivo de serem brasileiros. É necessário exigir qualidade, especialmente quando falamos de um hobby que envolve diversão, mas também despesas relativamente elevadas. Por outro lado, é muito problemático o fato de que muitos sequer se proponham a conhecer esses jogos. Creio que não exista melhor momento que este para que isso seja corrigido.

O exemplo da Nova Zelândia

O pequeno país oceânico tem experimentado uma era de ouro dos jogos de mesa nos últimos anos. Ao lado de RPGs, a exemplo de Deathmatch Island, e board games, como Hadrian’s Wall, os card games neozelandeses têm conquistado um grande público de adeptos ao redor do mundo, especialmente no caso de Flesh and Blood e Sorcery: Contested Realm.

Um país tão distante fisicamente dos grandes centros de consumo de jogos analógicos, a Nova Zelândia conseguiu se posicionar muito bem no mercado global, em grande medida em decorrência de alguns fatores que podem servir de exemplo para os desenvolvedores brasileiros.

O fim do Magic: the Gathering em português e o mercado brasileiro de card games
Final do torneio The Calling Auckland 2023 de Flesh and Blood. | Legend Story Studios

O primeiro deles já é bem utilizado por nós brasileiros: é o caso dos financiamentos coletivos. Anteriormente, um criador de jogos neozelandês precisava deslocar-se para alguma convenção nos EUA ou na Europa para meramente demonstrar a existência de sua marca e de seu produto. Hoje, plataformas como o Kickstarter, aliadas ao investimento em marketing, tornaram possível a empresas de menor porte no mercado de jogos obterem um alcance global, especialmente após o período de isolamento por conta da pandemia de COVID-19.

O segundo elemento foi a colaboração entre desenvolvedores de jogos, streamers e podcasters, que promoveram títulos neozelandeses de RPG nas redes sociais através da hashtag #KiwiRPG em 2021, culminando na formalização de uma associação em 2023. A união de fato fez a força no caso deles, servindo como fonte de inspiração para os que os produtores brasileiros se apoiem mutuamente em benefício do mercado nacional de jogos de mesa.

Conclusão

É muito provável que a maioria esmagadora dos jogadores brasileiros de Magic: the Gathering continuará a consumir e jogar o card game. A questão maior será o poder de renovação da base de jogadores, possivelmente abrindo caminho para que outros títulos ganhem mais destaque no mercado nacional.

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