O mundo dos card games desperta legiões de fiéis seguidores de seus títulos favoritos, aos quais dedicam-se financeira, competitiva e emocionalmente. Entretanto, não raro tornam-se vítimas do abandono por parte das empresas que os produzem, vendo-se forçados a tomar as rédeas em verdadeiros projetos de “ressurreição” desses jogos, de forma heroica e ambiciosa.
1. Spellfire: O Poder da Magia
Projetado para ser concorrente de Magic: the Gathering, Spellfire foi a resposta gerada em 1994 pela TSR, criadora do RPG Dungeons & Dragons, ao recém-criado mundo dos card games colecionáveis. Baseado em cenários de campanha de D&D, o jogo fez uso de locais, personagens, itens mágicos, artefatos, monstros, eventos, magias e suas respectivas artes previamente utilizadas em outros produtos da TSR. Aliás, essa foi uma fonte de críticas em sua origem, ainda que hoje isso represente um dos principais atrativos por parte de seus nostálgicos jogadores.
Publicado no Brasil em português no ano de 1996 pelo selo Abril Jovem, o card game coloca cada jogador como comandante de um exército de fantasia medieval que deverá proteger seus reinos, além de acossar os do adversário.
Spellfire nunca fez tanto sucesso quanto o Magic, mas isso nunca impediu de atrair um séquito de fiéis adeptos. Lamentavelmente, a TSR viria a ser adquirida pela Wizards of the Coast em 1997, sem que esta desse prosseguimento à publicação do jogo. Daí em diante, foram numerosas as publicações de cartas e coleções inteiras criadas pelos mais variados grupos de fãs, inclusive aqui no Brasil.
Dentre as criações brasileiras, contamos até mesmo com uma edição inteiramente baseada na mitologia brasileira, intitulada Mitos e Lendas – Cultura e Folclore do Brasil, contando com 130 cartas que retrataram elementos das tradições de nosso país.
No entanto, a reencarnação de Spellfire com maior alcance global nos dias de hoje se deu por meio do site spellfire.com. Inicialmente, a iniciativa se deu exclusivamente online e associada ao famigerado modelo de “tokens não fungíveis” ou NFT, ao qual discretamente, mas não definitivamente, a página não se dissociou. Felizmente, devido à demanda por parte dos jogadores, os criadores do site resolveram levar as cartas para as mesas (físicas) ao redor do mundo, inclusive participando de convenções de jogos mundo afora, além de promoverem torneios do card game.
2. Vampire: The Eternal Struggle (VTES)
Baseado no Mundo das Trevas concebido no RPG Vampiro: A Máscara, VTES permite que os jogadores assumam o papel de vampiros anciãos conhecidos como Matusaléns. Pertencentes a diferentes clãs e facções, esses vampiros lutam pela supremacia política, influência e controle sobre a cidade fictícia onde ocorrem os eventos do jogo.
Uma criação da mente brilhante do matemático Richard Garfield (Magic: the Gathering, KeyForge) , este jogo de cartas multijogadores foi originalmente intitulado Jyhad. Publicado em pela Wizards em 1994, Vampire: The Eternal Struggle foi o terceiro card game colecionável criado até então, na esteira do Magic. Por questões de sensibilidade cultural, o jogo viria a ser rebatizado no ano seguinte, adotando o nome pelo qual é conhecido até hoje.
Em 1996, a Wizards viria a abandonar o jogo, tendo sido ele retomado pela White Wolf no ano 2000. No entanto, em 2010 os vampiros conheceriam novamente a sepultura, deixando órfãos os fãs desse jogo tão singular. Felizmente, em 2018 a organização liderada por fãs Black Chantry Productions assumiria a missão de ressuscitar o jogo, lançando novas cartas no modelo de impressão sob demanda.
VTES é, atualmente, o card game mais popular no Brasil desta lista, contando com tradução em português dos novos lançamentos distribuída pela Conclave Editora. O público entusiasta desse jogo marca presença constante em lojas ao redor do país, com torneios em nível local, nacional e internacional, mantendo a chama acesa no mundo sombrio dos vampiros.
3. Netrunner
Concebido originalmente como um jogo de cartas colecionáveis por Richard Garfield e lançado pela Wizards of the Coast em 1996, Netrunner é um card game inspirado pelo universo cyberpunk em general e, especialmente, pelo RPG Cyberpunk 2020. O pano de fundo para a ação do jogo se passa em um futuro distópico, onde mega-corporações controlam quase todos os aspectos da vida. Hackers, conhecidos como “runners”, tentam invadir os sistemas dessas corporações em busca de informações e recursos, em um embate assimétrico entre dois jogadores.
A primeira encarnação de Netrunner foi descontinuada em 1999, apenas três anos após seu lançamento. Houve várias tentativas de trazê-lo de volta à vida, até que a Fantasy Flight Games (FFG) lançou em 2012 Android – Netrunner, porém no formato living card game (LCG). A editora manteve muitos elementos do jogo original, mas também introduziu novas mecânicas e uma história mais rica, ambientada no universo “Android”.
Infelizmente, Android – Netrunner seria abandonado pela FFG em 2018. No ano seguinte, entretanto, a organização sem fins lucrativos Null Signal Games assumiu o papel de produzir novas cartas totalmente compatíveis com Android – Netrunner, cuidar das rotações de coleções anteriores e promover o cenários competitivo, incluindo a realização dos campeonatos mundiais.
Netrunner é até hoje um dos jogos de cartas mais respeitados e amados, seja por sua temática, seja por ser altamente estratégico, requerendo um planejamento cuidadoso por parte de ambos os jogadores.
4. Legend of the Five Rings
Desta lista, Legend of the Five Rings (L5R) representa de longe o caso mais complexo de morte e vida de um card game. Criado pela Alderac e pela ISOMEDIA em 1995, o jogo de cartas colecionáveis (assim como seu irmão RPG) são ambientados em Rokugan, um mundo de fantasia inspirado na cultura, mitologia e história japonesas do período feudal, ainda que conte com a influência de outros países do Extremo Oriente.
No card game, os jogadores controlam clãs de samurais em uma luta por poder, honra e controle sobre o Império Esmeralda, com direito a embates militares, mas também com o uso de magia, espíritos e outras criaturas sobrenaturais.
O cenário competitivo do jogo foi marcado por um diferencial muito cativante para a comunidade de jogadores. Determinados fatos ocorridos durante os torneios oficiais, como a morte de personagens, influenciavam a narrativa do mundo de Legend of the Five Rings, de forma canônica, moldando as coleções subsequentes, inclusive mecanicamente.
Em 1997, o consórcio formado pelas duas empresas criadoras de L5R foi adquirido pela Wizards of the Coast, que seria impelida pela sua agora empresa-mãe, a Hasbro, a colocar o jogo à venda no ano de 2000. Em 2001, a própria Alderac viria a readquirir os direitos sobre a sua própria criação. A publicação pela Alderac, dessa vez, durou até 2015, quando a empresa resolveu abandonar o card game.
Em 2017, a Fantasy Flight Games assumiria o leme, transformando o card game colecionável em um living card game., que contou com tradução em português pela Galápagos Jogos. A empresa manteve as impressoras rodando até 2021, quando deixaria mais uma vez órfãos os fãs desse tão querido jogo. A partir de então, algumas iniciativas levados a cabo por parte de jogadores, a exemplo do Emerald Legacy, trataram de manter o cenário competitivo e a gerar novas coleções, preservando Legend of the Five Rings para as velhas e novas gerações de jogadores de cartas.
5. Star Wars Customizable Card Game
Produzido pela Decipher entre 1995 e 2001, Star Wars CCG contou, durante esse período, com 11 expansões completas, além do jogo base e outras coleções menores ou especiais. Primeiro de muitos card games baseados na franquia Star Wars, o jogo teve uma recepção muito boa em seu auge, sendo o segundo mais vendido durante anos, perdendo apenas para Magic: the Gathering, ainda que ultrapassando-o em vendas ocasionalmente.
Neste jogo, os jogadores assumem o lado luminoso ou o sombrio da Força, confrontando-se em um embate estratégico e comandando personagens, veículos, naves estelares, locais e eventos da saga Star Wars.
Em 2002, a Decipher acabaria perdendo a licença para produzir produtos da franquia Star Wars. Em vez disso, a Lucasfilm viria a garantir os direitos da propriedade intelectual para que a Wizards of the Coast lançasse Star Wars Trading Card Game, de autoria do professor Richard Garfield. Este último teria uma vida curta, sendo descontinuado após apenas três anos.
Naquele mesmo ano, foi instituído o “Comitê de Jogadores“, ao qual a Decipher legou a responsabilidade aos membros voluntários do comitê para realizar torneios sancionados e produzir novas cartas para o jogo desde que elas não fossem impressas. Desde então, o jogo passou a ser jogado de forma digital, mas também presencialmente por meio de impressões artesanais. Assim, o card game continua vivo nas mesas dos jogadores, contando até mesmo com campeonatos mundiais anuais.